VOTO DE PROTESTO
Regime de Finanças Locais – Contra a Proposta de Lei n.º 122/XII/2.ª,
da autoria do Governo da República
Um dos elementos presentes na ofensiva contra o Poder Local democrático é, sem dúvida, o ataque dirigido à autonomia financeira. O financiamento do Poder Local e, em particular, dos municípios é uma questão que, para além da atenção específica e destacada que merece, assume posição nuclear na reflexão sobre a organização do Estado.
Na óptica da redução do papel do Estado, da mercantilização das relações económicas e diminuição da despesa pública, tudo em nome do “controlo do défice”, das imposições do Pacto de Estabilidade e Crescimento e agora do Pacto de Agressão, o Estado aparece remetido para o mais estrito dos seus sentidos e a mais diminuta das sua expressões (o Estado regulador) e o Poder Local é visto contra ele.
O ataque dirigido contra o poder local e a sua autonomia financeira é, de há muito, suportado numa intensa ofensiva ideológica destinada a distorcer o enquadramento político e constitucional do regime de finanças locais. A esta ofensiva são caras duas ideias: a de que as transferências para as autarquias seriam um encargo pesado para o Estado e a de que essas transferências resultariam de um gesto de boa vontade do Estado (aqui entendido como administração central ou poder político em exercício) que, a cada momento ou ciclo de uma dada lei de finanças locais, este entenderia atribuir.
Os promotores desta ofensiva fogem ao essencial: as transferências para as autarquias são um imperativo constitucional que as concebe e consagra ao mesmo nível dos recursos de que o Estado central dispõe para alcançar os seus fins e satisfazer as suas responsabilidades.
De facto, o que a Constituição da República Portuguesa consagra, através do que está expresso no seu artigo 238.º, é que o regime das finanças locais “visará a justa repartição dos recursos públicos pelo Estado e pelas autarquias e a necessária correcção de desigualdades”. A justa repartição dos recursos públicos que sucessivos governos têm recusado é não apenas um dos pilares da autonomia do Poder Local, como também condição da expressão dos interesses das populações e do seu direito a uma vida local com funções urbanas de qualidade.
A Proposta de Lei n.º 122/XII/2.ª, que “Estabelece o regime financeiro das autarquias locais e das entidades intermunicipais”, recentemente dada a conhecer pelo Governo da República PSD/CDS-PP assume, sem mais, o propósito da total liquidação da autonomia financeira. Uma proposta contra as populações, contra o poder local, de negação do direito ao desenvolvimento local; amarrada aos objectivos do Pacto de Agressão, de empobrecimento do País e de ruína dos Portugueses em total desprezo para com as necessidades do povo e do seu direito ao bem-estar, de abandono e condenação de vastos territórios e regiões do País ao atraso e subdesenvolvimento; dirigida ao duplo objectivo de impor a asfixia financeira e de institucionalizar uma ilegítima ingerência na autonomia local por via de uma efectiva tutela de mérito e integrativa; cinicamente apresentada como destinada a acabar com a “dependência do imobiliário” mas consagrando de facto, como réstia de sobrevivência, uma arquitectura financeira que terá no imobiliário a principal fonte de receita; concebida para prolongar à força no plano local o saque fiscal (e tarifário) e a redução abrupta da prestação de serviços e funções públicas; integrando um volume de transferências que corresponderá a um corte de um quarto do seu montante (mais de 500 milhões de euros) e à sua fixação em valor inferior ao de 2007; assumindo arbitrariamente o princípio de que a lei tem o “valor” que a cada momento os governos entenderem e que é para ser cumprida ou não segundo esse entendimento!
Em termos financeiros, a proposta reduz de 25,3% para 18,5% a participação dos municípios na partilha de recursos públicos (referenciada à média aritmética do IVA, IRS e IRS) e de 2,5% para 2,0% a participação das freguesias; elimina o IMT enquanto receita de imposto devido aos municípios nas transacções imobiliárias (que nos últimos anos tem oscilado entre os 700 e os 900 milhões de euros) para o substituir pela aplicação do IVA, desviando para o Estado as futuras receitas num quadro de oneração fiscal (na medida em que o IMT aplicado a transacções a partir de 92 mil euros com taxa progressiva de 2% a 6% será substituído por IVA sobre todas as transacções!); a afectação do acréscimo da cobrança do IMI decidida pelo Governo no processo de reavaliação predial (e que constitui um saque fiscal ainda de consequências imprevisíveis) não para os municípios (nem sequer consignadamente para “consolidação orçamental”, como até agora já abusivamente estava previsto) mas, sim, para criar um Fundo de Apoio (FAM) de resgate dos municípios em insolvência (num processo em que o Governo os atira para a falência e põe os que ainda não estão falidos a pagar o seu “resgate”!); institucionaliza novos cortes nas receitas das transferências já gravemente amputadas (4%/ano desse volume para o FAM, a par de todos os outros já em vigor; consigna coercivamente receitas tarifárias associadas aos serviços prestados no domínio do saneamento básico.
No plano da autonomia do Poder Local, e a pretexto da institucionalização de um “sistema precoce de alerta”, ampliam-se os mecanismos de tutela de mérito, de reporte e controlo abusivo, de ostensiva intervenção directa, de assumida não só limitação mas de liquidação da autonomia que é reconhecida ao Poder Local democrático no nosso País.
Assim, a Câmara Municipal do Funchal expressa o seu Voto de Protesto contra a Proposta de Lei n.º 122/XII/2.ª, da autoria do Governo da República, que visa proceder a graves e desastrosas alterações ao regime das Finanças Locais, com óbvios impactos negativos para o País, para as autarquias locais e para as populações e fortemente condicionadora do desenvolvimento local eda prestação de serviços públicos de qualidade.
Funchal, 14 de Fevereiro de 2013
O Vereador da CDU na CMF
PROPOSTA DE RESOLUÇÃO
Plano de Emergência para os Bairros Sociais
Os Bairros Sociais constituem aglomerados populacionais de crescente importância social advinda do número de cidadãos ali residentes e das diversas problemáticas que se encontram nestas áreas residenciais. Ao longo dos anos, o desinteresse político e a não definição de prioridades quanto à intervenção e requalificação urbanísticas (sendo que se verificaram algumas excepções, casos do Bairro dos Viveiros ou da Quinta Falcão) permitiram a degradação do espaço físico quer edificado quer ao nível das infraestruturas de apoio, de lazer ou para a prática desportiva. O não envolvimento directo dos moradores na gestão e manutenção dos bairros contribuiu, igualmente, para a degradação de diversos equipamentos de utilização comum que poderiam ter sido preservados caso se registasse uma outra forma de gerir e sentir aqueles espaços e áreas como sendo de usufruto comum de todos os moradores. A não aposta em criar as condições para uma integração progressiva das famílias e indivíduos no novo meio, na nova comunidade criada, a disparidade de experiências pessoais e de aprendizagem, as diversas vivências sociais, a heterogeneidade de meios de onde eram provenientes os cidadãos instalados nos bairros sociais, ajudaram, em diversos casos, à proliferação de práticas anti-sociais tais como o vandalismo, a pequena e média criminalidade, o tráfico e consumo de estupefacientes, a insegurança, com todas as condicionantes e prejuízos daí advindos para a qualidade de vida e bem-estar dos cidadãos ali residentes.
Com a crise económica e social actual e o seu previsível agravamento, outras dificuldades e problemas são de considerar. O desemprego crescente, a perda de poder de compra das famílias e indivíduos, a possibilidade de incremento das tensões sociais, os problemas relacionados com a violência doméstica e familiar, o abandono escolar precoce motivado pela ausência de condições para fazer face às despesas de educação, a perda de subsídios e outros apoios sociais, entre outros e variados aspectos, conduzem a uma situação complexa que exige acompanhamento próximo, medidas concretas de intervenção e de apoio, integração e participação activas no meio.
Tratam-se de problemáticas variadas, algumas delas complexas, exigindo a tomada de medidas concretas que permitam esbater as situações mais complicadas e, sempre que possível, resolvê-las.
Estas diversas problemáticas, integrando-as num cenário mais amplo, preconizam a elaboração de um “Plano de Emergência para os Bairros Sociais” que, numa primeira fase, contemple três vertentes essenciais:
- a reabilitação urbanística;
- a participação na gestão e na manutenção dos espaços comuns;
- o apoio social.
Objectivamente, o pretendido com este Plano é:
1- Garantir a possibilidade de intervenção nos diversos bairros sociais ao nível da requalificação/recuperação/
2- Incrementar a participação dos moradores na gestão e manutenção dos espaços comuns, criando os denominados “Zeladores de Bairro” constituídos por grupos de moradores com diversas áreas de especialização profissional que enquadrados por técnicos camarários, pudessem colaborar nas tarefas de manutenção das infraestruturas e espaços comuns. Por outro lado, criar condições para que sejam os próprios moradores a gerirem os espaços públicos comuns destinados ao lazer, à fruição, à prática desportiva, responsabilizando-os pela boa gestão dos espaços e estruturas que são destinadas à utilização de todos, sem excepção;
3- Elaborar cadastro das famílias residentes, identificando a sua situação económica e social particular, implementando medidas para a consagração de apoios tendentes a melhorarem ou suavizarem a sua condição ou situação, considerando formas de apoio e acompanhamento sócio-familiar, promovendo a realização de acções ao nível da prevenção da violência familiar ou da convivência inter-famílias.
Face à situação actual de grave crise económica e social que atinge os trabalhadores e as famílias em geral, urge, nomeadamente em aglomerados populacionais com composição e proveniências tão díspares, criar condições para uma ainda maior e melhor integração na comunidade, no meio social onde estão inseridos, para o acesso a bens e serviços e para o usufruto de uma qualidade de vida e bem-estar mínimos.
Os Bairros Sociais, fruto do facto de constituírem comunidades heterogéneas aos mais diversos níveis, devem constituir uma prioridade em termos de intervenção global.
Assim, face ao exposto, a Câmara Municipal do Funchal delibera proceder à elaboração do “Plano de Emergência Social” para os Bairros Sociais, promovendo assim a inventariação das diversas situações de degradação física do parque edificado e promovendo medidas para a sua reabilitação, assim como criando as condições para uma gestão participada e um conhecimento geral das condições das famílias residentes nos mesmos e implementando medidas sociais para minorar as dificuldades das mesmas.
Funchal, 14 de Fevereiro de 2013
O Vereador da CDU na CMF